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Conto de Assombração

O tesouro enterrado - (conto peruano)

Numa das ruas que davam na pracinha de Belém, na antiga cidade de Huaraz, havia uma casa dos tempos coloniais que sempre estava fechada e que vivia cercada de mistérios. Diziam que estava repleta de almas penadas, que era uma casa mal-assombrada. Quando esta história começou, a casa já havia passado por vários donos, desde um avaro agiota até o padre da paróquia. Ninguém suportava ficar lá.
Diziam que estava ocupada por alguém que não se podia ver e que em noites de luar provocava um tremendo alvoroço. De repente, ouviam-se lamentos atrás da porta, objetos incríveis apareciam voando pelos ares, ouvia-se o ruído de coisas que se quebravam e o tilintar de um sino de capela. O mais comum, porém, era se ouvirem os passos apressados de alguém que subia e descia escadas: toc, toc, tum; toc, toc, tum... As pessoas morriam de medo de passar por ali de noite.
Certo dia, chegou à cidade uma jovem costureira procurando uma casa para morar. A única que lhe convinha, por ficar no centro, era a casa do mistério. Muito segura, a tal costureira afirmou que não acreditava em fantasmas e alugou o imóvel. Instalou ali a sua oficina, com uma máquina de costura, um grande espelho, cabides e uma mesa de passar a ferro.
Com a costureira moravam uma moreninha chamada Ildefonsa e um cachorrinho preto, de nome Salguerito. E foi o pobre do animal que acabou pagando o pato, pois o fantasma da casa decidiu fazer das suas com ele: puxava-lhe o rabo, as orelhas, e vivia empurrando o coitadinho. Dormisse
dentro ou dormisse fora da casa, à meia-noite Salguerito se punha a uivar de tal modo que dava medo. Arqueava o lombo, se arrepiava todo e ficava com os olhos faiscando de medo. Só dormia tranqüilo na cozinha, ao pé do pilão.
As pessoas costumavam ir bisbilhotar para ver como era a tal costureirinha e saber como aqueles três estavam se arrumando na casa mal-assombrada.
As duas mulheres não demonstravam em absoluto estar assustadas nem se davam por vencidas. A única coisa é que tinham que dormir com a lamparina acesa e com o cão na cozinha.
O fantasma acabou se cansando de infernizar o animal, mas começou então a deixar suas marcas na oficina da costureira: o espelho entortava sem que ninguém o tocasse; a máquina de costura começava a costurar sozinha; os carretéis caíam e ficavam rolando no chão; desapareciam as tesouras, o alfineteiro, o dedal e o caseador; as mulheres sentiam a presença de alguém que as seguia o tempo todo e, às vezes, o espelho ficava embaçado, como se alguém estivesse se olhando muito próximo dele.
Várias vezes o padre passou pela casa levando água benta, mas o copinho onde ela ficava sempre aparecia misteriosamente entornado.
– Isso não é coisa do diabo – esclareceu o padre. – As coisas do diabo se manifestam de outra maneira e acabam com água benta, invocações ou com a santa missa.
Com isso, as mulheres ficaram mais tranqüilas.
– O que eu acho é que deve haver alguma coisa enterrada por aí. Dinheiro ou jóias guardados em algum lugar. Talvez alguma alma penada queira mostrar a vocês o lugar em que está o tesouro para poder repousar em paz e, neste caso, é preciso ajudá-la – sentenciou o padre.
Havia, nessa época, pelas bandas de Huaraz, um homem que se dedicava a procurar tesouros, cujo nome era Floriano. Era famoso e possuía uma larga experiência nesse tipo de trabalho. Chamaram-no muito em segredo e, certo dia, chegou sem que ninguém soubesse. Entrou na casa recitando rezas e súplicas, mascando coca, fumando cigarros e queimando incenso:
– Alma abençoada, sabemos que estás aqui e que nos ouves. Se queres alcançar o reino da paz, mostra-nos onde está enterrado o tesouro. Usa os sinais que quiseres, mas comunica-te conosco.
O homem ia de canto em canto repetindo a mesma coisa. Salguerito olhava para Floriano, latia e, em seguida, ia se deitar na cozinha, ao pé do pilão.
Floriano passou dois anos inteiros procurando o tal tesouro. A cada mudança de lua, lá estava ele, mas nunca encontrava uma resposta. Removeu o piso da casa inteira, bateu em todas as paredes, revistou as janelas e nada.
Salguerito fazia sempre a mesma coisa: olhava para ele, latia e corria até a cozinha para atirar-se ao pé do pilão. Até que um dia Floriano se foi, dizendo que nessa casa não havia nenhum tesouro enterrado.
Mas um domingo, quando Ildefonsa estava socando milho no pilão da cozinha para fazer pamonhas, seus pés esbarraram numa espécie de alça enterrada. Intrigada, a mulher foi cavoucando e cavoucando com uma faca, até que apareceu não apenas a alça completa, mas a boca de uma panela de ferro. Era exatamente no lugar em que Salguerito costumava se enfiar para dormir e onde se atirava sempre que Floriano vinha procurar o tesouro.
Surpresa, Ildefonsa foi correndo chamar a costureira.
– Veja – disse-lhe –, há uma panela enterrada aí embaixo.
Imediatamente as duas mulheres empurraram o pilão e zás-trás! Apareceu o tesouro: uma panela repleta de moedas antigas de ouro e prata, jóias e pedras preciosas dos tempos coloniais. Estava logo ali, à flor da terra, junto à pedra de moer.
Dizem que à meia-noite, depois de benzerem a casa, a costureira e Ildefonsa saíram da cidade levando consigo não apenas o tesouro encontrado, mas também Salguerito, o cãozinho judiado que lhes deu o sinal preciso de onde estava enterrado o tesouro. Nunca mais se soube deles.
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Maria Angula

Maria Angula era uma menia alegra e viva, porém era louca por uma fofoca e vivia arranjando brigas com os amigos. Assim viveu Maria Angula até seus dezesseis anos de idade, dedicada a arrumar confusão entre os vizinhos, sem ter tempo para aprender a preparar pratos deliciosos. Ela logo se casou e começaram os seus problemas. No primeiro dia o marido lhe pediu uma sopa de pão com miúdos, mas ela não tinha a menor idéia como prepara-la. Mas ela lembrou-se que sua vizinha era uma grande cozinheira e correu até lá.

__Cara vizinha, a senhora sabe fazer uma sopa de pão com miúdos?

__ Claro dona Maria. É assim: primeiro coloca-se o pão de molho em uma xícara de leite, depois despejá-se este pão no caldo e, antes que ferva, acrescentam-se os miúdos.

__Só isso?

__Só vizinha!

__Ah, mas isto eu já sabia!

Logo saiu correndo para a sua casa afim de não esquecer a receita e preparar o jantar. No dia seguinte o marido lhe pediu um ensopado de batatas com toicinho e a historia se repitiu muitas e muitas vezes. Como isto acontecia todas as manhãs a Dona Mercedes resolveu dar uma lição em Maria Angula.

Pensando nisto Maria Angula adentrou a sua casa e perguntou:

__Dona Mercedes você sabe como preparar um caldo de tripas com bucho?

__Ah, mas isto é muito fácil. Vá para o cemiterio, espere chegar o difunto mais fresco do dia e arranque-lhe as tripas e o estomago, lave-os muito bem e cozinhe-os com água, sal e cebolas. Sem esperar muito logo ela foi e mais ou menos meia hora depois estava divolta a sua casa preparando o jantar. Seu marido que não sabia de nada comeu o jantar lambendo os beiços.

Nesta mesma noite, enquanto Maria Angula e o marido durmiam escutava-se uns barulhos esquisitos nas redondezas. Maria Angula acordou e escutou uns rangidos nas escadas e eram os passos de alguém que subia em direção ao seu quarto. A porta foi se abrindo devagarmente e era o difunto que ela havia arrancado o estomago e as tripas. E ele logo começou a falar:

__Maria Angula devolva as minhas tripas e o meu estomago que você roubou de meu corpo.

Maria Angula com medo se cobriu com a coberta, mas sentu umas mãos ossudas puxarem sua pernas.

No dia seguinte quando Manuel acordou, não encontrou mais a esposa e ninguém jamais soube do seu paradeiro.
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A mulata de Córdoba*


Diz uma antiga lenda que, há quase três séculos, vivia na cidade de Córdoba uma mulher muito formosa**, que jamais envelhecia, a despeito do passar dos anos. Todos a chamavam de ‘Mulata’, por causa da cor de sua pele, dourada pelo sol. Além do mais, corria a fama de que esta mulher era advogada das causas impossíveis: as moças que não tinham prazer no sexo, os homens que perderam o vigor, os trabalhadores sem emprego, as pessoas com enfermidades graves, todos a procuravam para resolver seus problemas e, a todos eles, a Mulata atendia.
Acontece que os homens ficavam presos por sua formosura e disputavam entre si para ver qual conquistaria o seu coração. Ela, porém, não correspondia a nenhum deles, pelo contrário, os desdenhava. Todos comentavam os poderes da Mulata e diziam que era uma bruxa, uma poderosa feiticeira. Algumas pessoas garantiam que já haviam surpreendido a Mulata voando sobre os telhados, sem falar nos seus belos olhos negros, que, segundo diziam, despediam miradas diabólicas ao mesmo tempo em que a bela sorria com seus lábios vermelhos e dentes muito brancos.
Falavam a boca pequena que a Mulata tinha pacto com Satã e o recebia em sua casa. Quando ele a visitava, sempre depois da meia-noite, quem passasse defronte à casa da bruxa veria claramente uma luz sinistra brilhando por entre as rendas do cortinado e pelas frestas da porta: uma luz infernal, como se dentro da casa estivesse ocorrendo um grande incêndio. A fama daquela mulher ultrapassava fronteiras, era imensa! Até canções populares cantavam os seus prodígios.
Ninguém sabe ao certo por quanto tempo essas histórias circularam, aumentando a fama da Mulata. O que todos dão por certo é que, um certo dia, foi levada da cidade de Córdoba e conduzida, presa, pelo Tribunal da Inquisição, até a cidade imperial, acusada de bruxaria e satanismo.
Conta-se que, na manhã do dia em que deveria ser executada o carcereiro entrou no calabouço onde estava acorrentada, e ficou surpreso ao ver que em uma das paredes da cela a Mulata desenhara um navio. Ela sorriu e lhe perguntou: “Bom dia, carcereiro, podes me dizer o que falta neste navio?” O pobre-diabo respondeu com uma imprecação: “Tu és uma desgraçada! Se te arrependesses, não irias agora morrer!”
Ela, porém, insistiu: “Anda, diz-me o que falta a este navio”. Intrigado com a pergunta, o carcereiro respondeu: “Claro está que falta um mastro.” Ao que a Mulata prontamente retrucou: “Se um mastro lhe falta, um mastro ele terá!” O carcereiro se retirou da cela com o coração cheio de confusão, não conseguia entender as palavras enigmáticas da Mulata.Por volta do meio-dia, o carcereiro voltou à cela e contemplou admirado o desenho. “E agora, carcereiro, o que falta ao navio?” Perguntou a bela mulher. Mais uma vez ele exortou-a: “Desafortunada mulher, se queres salvar tua alma das chamas do inferno, ajoelha e suplica o perdão perante a Santa Inquisição, encarregada de te julgar. O que pretendes com tais perguntas? Está claro que ao navio faltam as velas. Imediatamente a mulher replicou: “Se as velas lhe faltam, as velas ele terá!”
Mais uma vez o carcereiro se retirou, abismado com aquela misteriosa mulher que, nas últimas horas de vida que lhe restavam, desperdiçava o tempo desenhando, sem temor da morte. Quando caiu a tarde, hora em que se cumpriria o destino da Mulata, estando tudo preparado para sua execução, o carcereiro entrou pela terceira vez em sua cela. Ela aguardava-o, sorridente, de tal forma que sua beleza exuberante mais se destacava no cenário feio e sujo do calabouço. Perguntou-lhe: E agora, o que falta ao meu navio? O homem, aflito, gritou: “Infeliz mulher, põe tua alma nas mãos de Deus Nosso Senhor e arrepende-te dos teus pecados. A este navio, a única coisa que falta é navegar, está perfeito!”
A Mulata, mais bela que nunca, respondeu, exultante: “Pois se Vossa Mercê o deseja com toda força de sua vontade, o meu navio navegará!” Dito isto, sob o olhar aterrado do carcereiro, a Mulata, tão veloz quanto o vento que começou a soprar, saltou para o navio e este começou a se mover, primeiro lenta, e, depois, muito rapidamente, a toda vela, e em questão de minutos desapareceu, levando a formosa prisioneira.O homem caiu de joelhos, imobilizado pela surpresa, seus olhos saltavam das órbitas, sua boca não poderia estar mais aberta e seus cabelos estavam em pé! Ninguém jamais voltou a colocar os olhos na Mulata. Todos imaginam que esteja com o demônio.
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DA MARIMONDA, A MÃE-DA-MATA, NÃO SE DEVE FALAR

Quando Jacinto voltava cabisbaixo à sua chácara, encontrou-se com a velha Joana.
– Escuta, filho, por que essa cara? – disse-lhe a velha ao cumprimentá-lo.
– Ah, nhá Joana – suspirou Jacinto –, é que hoje, quando eu fui buscar água pra regar minhas laranjeiras, vi que o rio estava seco. Não tinha nem uma gota d’água. Faz tanto tempo que não chove! Não sei o que fazer, nhá Joana!
– O rio estava seco, é? Mau sinal, filho, mau sinal! – E a velha balançou a cabeça como se pressentisse calamidades.
– Mau sinal por que, nhá Joana?
– Pois olha, filho, tu é muito jovem e tu não sabe de nada. Mas eu te digo, que se o rio secou, é porque ela anda por aí e então... pobre de quem se encontrar com ela!
– Com ela quem? De quem é que vosmecê está falando, nhá Joana? Jacinto estava muito assustado.
– É da Marimonda, a mãe-da-mata, filho. E de quem mais que ia ser? Mas eu não quero falar dela não. Não pode, filho, dá azar. Só de pensar fico toda arrepiada. E vê se tu toma cuidado. Tu é um bom moço, Jacinto, tu não é como os outros, como esse tal de Runcho.
E a velha seguiu o seu caminho, apressada.
Jacinto sentiu imediatamente um calafrio percorrer-lhe a espinha. Lembrouse, então, do Runcho Rincão. Já fazia tempo que esse sujeito derrubava árvores na cabeceira do rio, lá no alto do morro. Quando os lavradores perceberam, perguntaram-lhe por que fazia aquilo e ele explicou que os homens da serraria lhe pagavam pelas árvores que ele cortava. Serafim, o mais velho dos habitantes do povoado, advertiu-o então:
– Olha, Runcho, é melhor tu não fazer estrago na floresta que a Marimonda pode aparecer.
Mas o Runcho não fez caso das palavras do velho e continuou destruindo todas as árvores que encontrava.
Pouco tempo depois, os lavradores começaram a notar que o rio descia com menos água e que cada vez ouviam-se menos os gritos dos papagaios e o conto dos melros nas matas.
A caminho de sua chácara, Jacinto continuou pensando no que fazer com os seus pezinhos de laranja recém-plantados, já que não tinha água para regálos.
Começava a escurecer e detrás do morro despontava uma lua redonda e amarela. Tal era a sua preocupação, que nem se deu conta do alvoroço que o seu cãozinho Canijo fez ao vê-lo. Mas logo percebeu que o animal estava muito inquieto: grunhia, ladrava, cercava o dono e mordia as suas calças, tentando conduzi-lo para o caminho que levava ao morro. Jacinto sentiu a angústia de Canijo e decidiu segui-lo. Depois de se benzer várias vezes, começou a subir, deixando-se guiar pelo cachorro, que não parava de ladrar e grunhir.
Pouco depois, ouviu um ruído: chuiss, chuiss, sibilava um facão derrubando mamonas, sarças e samambaias. De longe, Jacinto avistou o Runcho, que, aproveitando a escuridão, estava abrindo uma trilha até um lugar onde havia uns cedros enormes que ele desejava derrubar. Com o vento, as folhas das árvores rangiam, dando a impressão de que estavam chorando.
De súbito, a lua se escondeu detrás de uma nuvem e Jacinto não conseguiu enxergar mais nada. Canijo parou. Cessou também o ruído do facão na folhagem. A escuridão e o silêncio dominaram a floresta e um resplendor surgiu no meio da mata espessa.
O Runcho, como que hipnotizado, deixou cair o facão e se levantou com os olhos fixos no resplendor, o qual pouco a pouco foi tomando a forma de uma bela mulher. Seus cabelos longos e escuros caíam-lhe sobre os ombros e cobriamlhe todo o corpo. Seus olhos grandes e muito pretos lançavam centelhas de fogo e seus lábios delineavam um sorriso feroz. Uma voz repetia:
– Vem... vem... vem...
Tão logo o Runcho conseguiu tocar a mulher, esta soltou uma aguda gargalhada, que retumbou no silêncio da noite. Rápida como um raio, sacudiu a cabeça e imediatamente os seus longos cabelos se transformaram num espesso musgo pardacento e em grossos cipós que, como serpentes, enroscaram-se no pescoço, nos braços e nas pernas do moço.
Jacinto fechou os olhos. Seu coração saltava como louco e suas pernas pareciam estar cravadas na terra. Alguns instantes depois, ele ouviu novamente os latidos furiosos de Canijo e o ranger das folhas sacudidas pelo vento. Abriu os olhos e aproximou-se do Runcho. Estava morto. Um cipó apertava-lhe o pescoço e, ao seu lado, estendia-se um rastro de musgo pardacento que se perdia no matagal. Ao longe, começou-se a escutar a água do rio que voltava a correr.
Jacinto jamais disse nada a ninguém. Da Marimonda, a mãe-da-mata, não se deve falar.
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Uma noite no paraiso
Sylvia Manzano

Certa vez, dois amigos inseparáveis fizeram o seguinte juramento: aquele que casasse primeiro chamaria o outro para padrinho, mesmo que esse outro estivesse no fim do mundo.
Pois bem: um dos amigos morre e o outro, que estava noivo, não sabendo o que fazer, vai pedir conselhos a seu confessor. O pároco assegura que a palavra deve ser mantida. Então o noivo vai até o túmulo do amigo convidá-lo para o casamento.
O morto aceita o convite de muito bom grado. No dia da cerimônia, não diz uma palavra sobre o que vira no outro mundo. No final do banquete ele fala:
- Amigo, como lhe fiz este favor, você agora deve me acompanhar um pouquinho até minha morada.
O recém-casado, não resistindo à curiosidade, pergunta como era a vida do outro lado.
O morto, fazendo um pouco de suspense, responde dessa forma:
- Se quiser saber, venha também ao paraíso.
O outro concorda. O túmulo se abre e o vivo segue o morto.
A primeira coisa que vê é um lindo palácio de cristal, onde os anjos tocavam para os beatos dançarem e São Pedro, muito feliz, dedilhava seu contrabaixo. Mais adiante, o amigo lhe apresenta nova maravilha: um jardim onde as árvores, em vez de folhas, tinham pássaros de todas as cores, que cantavam.
- Vamos em frente - diz o morto ao amigo, que fica cada vez mais deslumbrado. - Agora vou levá-lo para ver uma estrela.
O recém-casado percebe que não se cansaria nunca de admirar as estrelas, os rios, que em vez de água eram de vinho, e a terra, que era de queijo.
De repente o noivo cai em si, lembra-se da noiva que ficara a esperá-lo e pede:
- Compadre, preciso voltar para casa, minha esposa deve estar preocupada.
- Como preferir.
Assim dizendo, o morto o acompanha até o túmulo, sumindo logo a seguir.
Ao sair do túmulo, o vivo fica assombrado com o que vê ao seu redor: no lugar daquelas casinhas de pedra meio improvisadas há palácios, bondes, automóveis; as pessoas todas vestidas de modo diferente. Para se certificar, pergunta o nome da cidade a um velhinho que por ali passava.
- Sim, é esse o nome desta cidade.
No entanto, ao chegar à igreja, é atendido por um bispo muito importante que, consultando os arquivos existentes ali, descobre que trezentos anos atrás um noivo havia acompanhado o padrinho ao túmulo e não tinha voltado nunca mais.
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A FARRA DOS MORTOS


Maria Hilda de J. Alão.


Naquela noite “seu” Antônio não conseguia dormir. Ligou a televisão, não gostou do que estava passando, desligou. Pegou o rádio de pilhas, seu inseparável companheiro, nada de interessante. Resolveu ir à janela do quarto para apreciar o movimento da rua. Nada. A rua estava deserta. Era a primeira vez que ficava insone e aquilo o deixava nervoso. Nunca havia perdido o sono antes.

Um pouco mais adiante do edifício onde ele morava, ficava o cemitério, todo murado, sem iluminação e muito arborizado o que o deixava mais escuro ainda. Os olhos do velhinho desviaram-se para lá. Olhava e pensava: “um dia estarei ali, no silêncio eterno...” e um arrepio percorreu seu corpo.

Ficou muito tempo olhando o cemitério. Viu as horas e pensou: “quase duas horas e nada de sono...”.

Caminhou pelo quarto, foi até a cozinha, voltou novamente à janela. Apagou a luz do quarto. Ficou ali, parado, pensamento distante quando de repente viu algo no cemitério que chamou sua atenção. Era uma luz, fraca é bem verdade, mas era uma luz, bem ali no meio das sepulturas. A princípio ficou com medo. Fechou a cortina e ficou olhando pela fresta. Mais uma luz apareceu. Já eram duas.Ficaram juntas e tremulantes como se um leve vento tentasse apagá-las. Mais outra e “seu” Antônio pensou: “Meu Deus, os mortos estão saindo da tumba...” Mesmo assim continuou na janela. Tremia.

As luzes foram aumentando, ele já não conseguia contá-las, só sabia que junto com elas vultos vestidos de negro faziam um ritual esquisito. Levantavam os braços, circulavam para lá e para cá, outros estavam sentados nos túmulos e de vez em quando saltavam para o chão. Ficavam em círculo como se estivessem rezando e rapidamente levantavam-se com os braços para cima como numa espécie de saudação. Vez por outra apareciam pequenos pontos luminosos seguidos de uma neblina branca. O homem pensou: “será a dança dos espíritos malditos...!”

Lembrou de algumas histórias de terror que havia lido na juventude. O tempo corria. “Seu” Antônio olhou para o relógio, quatro e trinta da manhã e os mortos continuavam lá naquela espécie de orgia fantasmagórica.

Num átimo de segundo, as luzes sumiram e tudo voltou às escuras. O homem, ainda tremendo, ficou parado sem forças para se afastar da janela. Quando o fez foi para rezar e pedir a Deus perdão pelos seus pecados. Talvez aquela aparição fosse um aviso para ele, pensava: - “preciso orar mais...”.

Quando o dia amanheceu, como sempre fazia, foi buscar pão e leite, e na padaria relatou aos amigos o que havia presenciado durante a madrugada. Todos riram, menos uma velhinha que estava na fila para pagar o pão. Ela também havia visto aquilo da janela do seu quarto e não era a primeira vez. – “faz muito tempo que isso acontece, começa por volta das duas horas e vai até, mais ou menos, às quatro e meia da manhã” – disse ela. Nunca dissera nada para não tachada de louca, pois não dormia muito e ficava perambulando pela casa durante a madrugada.

No dia seguinte, mesmo morrendo de medo, lá estava “seu” Antônio de prontidão na janela do quarto. Deitara-se bem cedinho, vinte horas e trinta minutos. Pusera o relógio para despertar às duas só para ver se os fantasmas saiam novamente para um novo ritual. Não deu outra. Tudo aconteceu como no dia anterior.

De manhã encontrou-se com a velhinha na porta da padaria e comentaram o acontecido. E assim, por muitos dias, o homem tornou-se um madrugador só para ver a “farra dos mortos”.

A notícia espalhou-se pelo bairro. O responsável pelo cemitério foi comunicado.

“Seu” Antônio, já acostumado com aquele fato, lá estava à janela, na hora exata para ver a cena.

Os mortos foram chegando com suas luzes bruxuleantes, fizeram os mesmos movimentos; os que estavam em cima dos túmulos saltaram para chão, fizeram a rodinha, levantaram os braços, apareceram os pontinhos luminosos e a neblina, gesticularam. “Seu” Antônio já não sentia medo, habituara-se àquilo.

De repente, apareceram luzes diferentes, eram fortes. O homem arregalou os olhos e pensou: “tem fantasma novo na “farra”. Os novos “mortos” movimentavam-se com muita agilidade, como se estivessem apressados. Um dos antigos, com sua fraca luzinha, embrenhou-se pelo meio das tumbas sendo perseguido por um da luz forte, que o trouxe de volta ao grupo que formava uma fila indiana.

As tênues luzinhas já não estavam mais acesas. “Seu” Antônio, com o movimenta das luzes fortes, percebeu que as roupas dos novos “mortos” eram de cor diferente das dos antigos. Ficou pensando: -“Meu Deus, será que os mortos voltam?”.

Agora todos seguiam em procissão na direção da porta do cemitério e tudo voltou à escuridão. O homem ainda ficou alguns segundos à janela, depois voltou para a cama e ficou remoendo seus pensamentos a respeito do que vira.

Quando adentrou à padaria, pela manhã, para pegar seu pão, o dono, com um risinho maroto, exclamou:

- Sr. Antônio! Que bom que chegou. Sabe aqueles fantasmas que senhor vê, todas as madrugadas, lá no cemitério?

- O que tem? – perguntou o homem.

- Ora, não são mortos, nem fantasmas, nem nada do outro mundo. É o safado do Ditinho e a sua turma que pulam o muro do cemitério para armar a banca de jogos de azar e assim fugirem da polícia. Usam roupas escuras, as velas, que os parentes do mortos deixam nas campas e que não ardem totalmente, têm sacola de plástico de supermercado para recolher o lixo, tais como pontas de cigarros, papel, latas de cerveja e tudo mais. “Nada de pistas”, dizia Ditinho.

- Era um mini-cassino ao ar livre que rendia muito dinheiro ao malandro. Só que esta madrugada ele se deu mal. O administrador do cemitério ficou de campana e quando eles estavam no melhor do jogo, os “homens” chegaram. O contraventor bem que tentou fugir, mas foi agarrado pelo policial. Precisava ver a cara do salafrário e da sua turma quando foram egos em flagrante. - Graças ao senhor, seu Antônio, a justiça foi feita...

E o português da padaria riu, até não poder mais, lembrando da primeira vez que seu Antônio lhe contou que vira os mortos realizando uma verdadeira “farra”, de madrugada, no cemitério da cidade.